sexta-feira, julho 17, 2009

Conto da Tinta dos Olhos (ou O Ideal)

Acho que vou me arriscar nos contos.

Tudo estava muito claro. Quando nasceu havia a paz. Por todos os lados, seus olhos castanhos, tão facilmente encantáveis, deslumbravam o branco das peles das meninas, seus sorrisos brancos e seus abraços brandos. Havia a natureza e os homens e as máquinas e todas caminhavam tranquilamente. Lucidez. Um poço claro. Cresceu um belo jovem e a felicidade, que se mantinha lá por tanto tempo, o preencheu enquanto pôde. Mas o menino se questionou, queria alegria, queria a futilidade e o descompromisso, queria entrar mais um pouco na sua cabeça, e no que existia além dela. Ele então se escondeu na maior solidão que encontrou, perdido em seus piores pensamentos e depois de vastos segundos, talvez por azar, ele chorou. Uma lágrima azul-marinho. O que era um choramingo deu abertura aos soluços e um choro inconsolável, com berros, tremedeiras, movimentos bruscos.

Lagrimas caíam como a chuva. Primeiro o azul cor de tinta fez o menino ter medo. Mas a mancha não parou. Ele chorou mais e mais, manchou suas roupas tão sóbrias, seus tênis e depois a calçada e a avenida. As pessoas se assustavam, nunca tinham visto alguém chorar, ainda mais daquele jeito.

Depois a cor rosa algodão-doce, depois o verde aroma de campo, vermelho sangue... Ele choveu lágrimas de todas as cores e quem quer que se molhasse um pouco, perdia a paz de seus dias, nasceu cores novas e tudo que era claro, ficou confuso. O amor se perdeu, e as pessoas desesperaram e correram e quando pararam elas se olharam como se não tivessem nada. E um tempo veio e um sentimento mais forte nasceu no peito dos que conseguiram mudar e preencheu como nenhum tinha até então.

A paixão pulsava visivelmente nos olhos e as cores todas saíram de suas idéias, expressões e palavras, que agora eram eternas, duras e mutáveis a cada momento. O menino, agora com olhos cor de cobra coral, nunca mais foi visto. Mas há o boato de que após chorar dias, o menino gargalhou. E caminhou sem pressa de viver, para a lua baixa com cor de seus olhos.



Desescrevendo:
A questão era contagiosa. Por isso, virou poeta.

3 comentários:

Mariana Harder disse...

um conto arriscado, riscado em papel branco com cores lindas!
Esse seu colorir é um dom, e é bom, é muito bom ver que você vai continuar compartilhando..

André disse...

Arrisque-se. Faça-nos esse favor.

Nina disse...

você é fantástico com as palavras de qualquer maneira...
E, sim, faça-nos esse favor!